Televisão

Bruno Nogueira diz que agressão de Will Smith está a ser discutida do ponto de vista errado

A agressão de Will Smith a um humorista está a dar muito que falar. Em Portugal, o debate estende-se aos humoristas, para que possam explanar a sua visão, quando voltam a ser discutidos os limites do humor. A SIC quis saber a opinião de Bruno Nogueira, o humorista que está agora a fazer o programa ‘Tabu’, em que se testam realmente os limites.

O famoso comediante português passa uma semana com um grupo de pessoas sobre os quais não é correto fazer-se piada. Até ao momento, Bruno Nogueira versou sobre doentes terminais, viciados e obesos. Tudo com muita leveza e diversão, até porque as pessoas estão ali a quebrar tabus e por vontade própria.

Um programa de pura comédia, mas que deixa sempre aquele sentimento de culpa de nos rirmos da ‘desgraça’ dos outros. Um pouco como aconteceu com o caso dos Oscars. Chris Rock gozou com a condição de saúde (Alopecia) de Jada Pinkett-Smith, o que a deixou visivelmente desagradada.

No entanto, para Bruno Nogueira, o que importa discutir não é a piada, e se tem graça ou não, ou se é excessiva ou não. O que deve ser discutido é o agressor, a pessoa que praticou violência sobre outra.

“O que me está a incomodar é que o assunto está focado nos limites do humor. Portanto, há uma pessoa que foi agredida e o que nós estamos a tentar perceber é se essa pessoa passou dos limites.

Pouco importa se a piada é boa ou má, para umas pessoas foi boa porque se riram. Para o Will Smith e a esposa não foi. Mas a partir do momento que se legitima que a resposta a palavras é kickboxing há pouco espaço para discussão.

Uma pessoa tem o direito de não gostar de uma piada. Até pode sair da sala. Ou responder numa carta aberta [direito de resposta]. Mas a corrente de pessoas que acha que é normal uma pessoa agredir outra, porque não gostou de uma piada, já entra noutra coisa que já não é sobre humor.

O que eu acho grave é que, se qualquer outra pessoa que não fosse famosa agredisse um apresentador, o que acontecia era: vinham os seguranças, tiravam-no da sala e levavam-no para a polícia. O que aconteceu foi: não só se manteve na sala, como ainda recebeu um Oscar e ainda é aplaudido de pé. Não percebo o peso e a medida”, disse Bruno Nogueira.

Mais tarde, no Instagram, o comediante voltou a comentar o assunto:

“O que aconteceu surge como um amargo de boca depois de provar uma maçã que se anunciava podre. Era uma questão de tempo até mandar calar deixar de ser um grito de raiva, e passar a ser uma mão que atordoa.

Incomoda-me particularmente o foco da discussão: “há limites no humor?”.

Há, mas não é o que tanto se quer. Agredir fisicamente alguém que fez uma piada é ultrapassar o limite do humor. Moralmente, e judicialmente.

Mas isto é mão que toca outros corpos. É sobre a legitimidade de alguém agredir a outra sempre que ouve uma coisa com a qual não se sente confortável. É sobre combater palavras com socos, na esperança vã que elas desmaiem. É sobre alguém agredir um humorista, e a pergunta ser: “não terá o humorista passado dos limites”? Se esta frase lida em voz alta não for contraditória em todas as suas letras, então resta pouco pavio para o diálogo.

Na cerimónia não há nenhum segurança que interrompa o momento, não há ninguém que proteja a integridade física de Chris Rock, não há nenhum polícia que o leve até uma esquadra.

Há uma nuvem que se agiganta, que se via sempre com a lente desfocada, e que ontem corrigiu o foco. O agressor fica sentado no mesmo sítio, assiste a toda a gala, com o Chris Rock a ter de seguir o seu trabalho. Will Smith ainda sobe a palco para receber um Óscar, e é aplaudido de pé. E Chris Rock, que continua só munido de palavras, segue com a arma que tem. Essa arma tão perigosa para o ego: a piada.

Pela internet, surpreende-me a quantidade de pessoas que dizem “é bem feita, para ver se ele aprende”. Que doce realidade virtual esta, onde nunca ninguém disse nada que possa ferir susceptibilidades, a não ser os humoristas. Onde ontem, naquele soco, se vinga todo o mal dessa ameaça terrível que é o humor.

Aceite-se isso, e o que sobra? Quem fica a salvo, se o árbitro e as regras mudam conforme a direção em que sopra o vento?

O que hoje se deveria estar a discutir não era o soco do Will Smith, mas a resistência do Chris Rock.
Legitimar o que aconteceu é aceitar que o mundo se deve vergar e calar perante o que incomoda. E o que resta depois?
Resta alguém que, sozinho no meio do deserto, morre de raiva por não ter ninguém em quem bater”.

https://www.instagram.com/p/CbqUJYjNGaE/

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